sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A fila

Foi a mais longa que já enfrentei. Durou seis horas. A fila foi para retirar o dinheiro do FGTS, liberado para os moradores de Blumenau depois das enchentes/desabamentos de novembro passado.

A primeira hora de fila até que é divertida. As pessoas estão ainda dispostas, conversam e riem de seus reveses particulares. Até eu conversei, apesar de ter levado um livro. Expliquei para o sujeito da frente que estava viajando e não pude vir para a fila no dia em que atenderam os nomes com inicial F.
- Você viaja de caminhão?, perguntou ele.
- Não, eu sou professor, respondi. Estava viajando de carro, em férias, completei.
Aí o papo acabou. Fiquei pensando se, à primeira vista, professores e caminhoneiros se parecem ou se eu estou ficando mais parecido com um caminhoneiro do que com um professor. Por via das dúvidas, abri o livro.

Os ambulantes davam dicas de alimentação, na tentativa de vender seus produtos nada saudáveis.
- O certo é comer um pouquinho várias vezes por dia. Aí não engorda. Coma um pastel agora, ganhe um café de graça e, mais tarde, coma um pão de queijo, disse um.

Mais a frente, uma menina com roupa de ginástica distraia o olhar. E uma senhora sempre ficava para trás quando a fila andava por causa da conversa. E eu comecei a ficar com vontade de dizer “ô minha senhora, presta atenção na fila!”

Na segunda hora da fila, comecei a sentir mais intensamente o cheiro de cachaça do sujeito atrás de mim. Pior ainda quando ele acendia um cigarro. O cara estava exalando álcool as dez da manhã! Podia ter vindo mais tarde, pelo menos não ficaria castigando meu nariz e meus pulmões.














Demorei quatro horas para entrar no ginásio onde estava sendo feito o atendimento. Nessa altura do campeonato já tinha enjoado até de olhar a roupa de ginástica da menina da frente. No livro, Bauman falava sobre a individuação própria da modernidade líquida. E a gente ali, tudo junto, na mesma fila, na mesma situação, e sem se falar durante horas. Bem, pelo menos eu. As mulheres à minha frente conversaram o tempo todo. Haja assunto!

No ginásio, tudo foi mais rápido. A vantagem foi ficar sentado nas cadeiras individuais. As pessoas já não conversavam tanto. Haviam sido separados os grupos que se formaram na imensa fila. A atenção era para a seqüência dos números das senhas que iam sendo chamados de dez em dez.

O atendimento nos caixas não durou mais do que cinco minutos. E tudo foi resolvido a contento. As quatro da tarde fiz um lanche e fui para casa, antes de ir para o trabalho. Fiquei impregnado de gente, impregnado de sociedade, de situações em que somos colocados sem escolha, sem diferenças de classe ou de gênero. Tudo a mesma coisa, professores, caminhoneiros e moças de roupa de ginástica.

Espero não ter que enfrentar de novo uma experiência como essa.

6 comentários:

Daniela Mts disse...

Menina com roupa de ginástica.

Sinceridade é tudo, sede é... Obedeça sua sede.

Anônimo disse...

Ai, essa fila...
Siga bem, caminhoneiro.

Anônimo disse...

Por isso que eu não fui retirar meu FGTS. A grana q eu tinha lá não valeria a pena pelo tempo de espera.

Fran Cardoso disse...

Aproveite o descanso, porque se o caminhoneiro, ups.., professor, não pediu que depositassem o saldo direto em uma conta, vai ter que enfrentar mais umas 2 horas na fila para rceber. Boa Sorte! ;)

Heike Weege disse...

O que é "a individuação própria da modernidade líquida" ??????
Estou curiosa.

F. Arteche disse...

Oi, Heike. Modernidade líquida é uma expressão cunhada pelo sociólogo Zigmunt Bauman, que tem um livro com esse título, e se refere às condições atuais da Modernidade e suas repercussões sociais. Uma dessas condições é a de que as pessoas ganham mais e mais a responsabilidade de se constituirem enquanto individualidades, já que as instâncias que ajudavam antes nessa tarefa (igreja, estado, tradição, classe) se enfraqueceram e adquiriram outras formas - como os líquidos se amoldam aos ambientes que invadem. A frase foi só um resumo do que diz o primeiro capítulo do livro.