Um fotógrafo da prefeitura viu corpos serem levantados por retro-escavadeiras que vasculhavam terrenos atingidos por desabamentos. Disse que um dos corpos era de um homem que estava agarrado a uma criança.
Uma colega de trabalho está com 20 pessoas em casa, algumas delas sobreviventes de desabamentos. Outra relatou o momento em que viu um pedaço de morro desabar dentro do ribeirão cheio e provocar uma onda que pensou que ia atingi-la. “Só fechei os olhos e esperei”, contou, mas por sorte a onda não a alcançou. “Meu avô correu em direção ao desabamento para tentar evitar que o morro invadisse o pomar dele. Chorou de joelhos”.
Essas narrativas me fizeram pensar no medo burguês que percorreu meu prédio depois dos desabamentos das casas em frente. O medo burguês é um medo fora do tempo presente, mais deslocado para o futuro. É um medo do que possa acontecer de ruim e não exatamente do que acontece. O burguês passa boa parte da vida trabalhando ou fazendo outras coisas com base nesse receio do futuro. A poupança, por exemplo, é para dar conta desses problemas virtuais.
Houve correria, houve choro, houve gente que saiu a pé para um hotel próximo, houve até vômito causado pelo nervosismo nos corredores do prédio. Afinal, burguês também é gente. Mas em outras condições de vida e de medo. O prédio ficou sem água por alguns dias e um pouco cheio de lama nas áreas externas. No mais, foi só o susto.
Engraçado não ter pensado nisso enquanto conversava com um colega na beira da piscina, tomando scotch, no dia seguinte à tragédia, enquanto a cidade ainda desabava em vários locais. Assim que as estradas abriram fui para a praia aliviar-me do receio de que algo de ruim pudesse acontecer comigo ou com minha família. Lá, encontrei mais três vizinhos que haviam saído da cidade com o mesmo propósito.
Essas narrativas me fizeram pensar no medo burguês que percorreu meu prédio depois dos desabamentos das casas em frente. O medo burguês é um medo fora do tempo presente, mais deslocado para o futuro. É um medo do que possa acontecer de ruim e não exatamente do que acontece. O burguês passa boa parte da vida trabalhando ou fazendo outras coisas com base nesse receio do futuro. A poupança, por exemplo, é para dar conta desses problemas virtuais.
Houve correria, houve choro, houve gente que saiu a pé para um hotel próximo, houve até vômito causado pelo nervosismo nos corredores do prédio. Afinal, burguês também é gente. Mas em outras condições de vida e de medo. O prédio ficou sem água por alguns dias e um pouco cheio de lama nas áreas externas. No mais, foi só o susto.
Engraçado não ter pensado nisso enquanto conversava com um colega na beira da piscina, tomando scotch, no dia seguinte à tragédia, enquanto a cidade ainda desabava em vários locais. Assim que as estradas abriram fui para a praia aliviar-me do receio de que algo de ruim pudesse acontecer comigo ou com minha família. Lá, encontrei mais três vizinhos que haviam saído da cidade com o mesmo propósito.
Ah, sim, o receio burguês também é carregado de culpa.
6 comentários:
Acredito que quem não foi atingido, ou não teve algum envolvimento direto com a tragédia, tem uma visão completamente diferente da história.
Eu, por exemplo, acho algumas coisas um exagero. Assim como fico toda arrepiada com relatos de colegas.
Seria o receio burguês?
Abraço.
A culpa acaba abraçando de um jeito, que nos faz agir de uma maneira que nunca esperávamos agir. Eu por exemplo, tive que afundar meu tenis novo na lama e segurar uma idosa desconsolada, jogada em meus braços, enquanto chorava a perda da neta soterrada, para sentir que em alguns momentos não adianta ter a casa inteira, com luz e totalmente seca, com todos os móveis intactos. O desmoronamento em mim, se fez interno. Um pouco por não ser nada individualista, penso muito nos outros, mas boa parte por culpa. Até porque enquanto aguardava notícias do "isolado", sem saber que a casa havia caído e que ela era um "isolado", eu assistia um filme europeu qualquer, comendo pipoca.
Abraço.
Esse sentimento que toma conta da gente é complicado. Não sei ao certo o que senti, mas eu quis muito estar na rua trabalhando com o pessoal da imprensa, mas o mesmo tempo tive que ajudar que estava ao meu lado e entender que em casa era mais seguro.
Nessa confusão toda ajudei a levantar móveis, passei por momentos complicados, fiquei ilhada e ajudei quem eu pude até a exaustão. Cheguei realmente a acreditar que era o fim de tudo quando o som de uma 'bateira' com idosos e crianças gritando rasgou a madrugada quando passou na rua (?) em frente a janela do meu quarto.
Pois é, pessoal. Ainda teremos muito o que pensar e debater sobre a condição humana diante das tragédias.
Interessante o relato. Nos faz perceber como temos viões, percepções diferentes do mesmo fato.
Abraço.
...é nóis 'vamu' invadir sua praia...só na vitrolinha Roger..."
Já se cantava naquelas áureos e saudosos anos da juventude, que bem lembro de dentes amarelos também.
Beijos KaKau(ex Scheila, ex aluna)
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