quinta-feira, 30 de julho de 2009

Lágrimas e sorrisos

Não dá para negar a realidade do que nos acontece. Tentar ignorar a parte ruim é perigoso porque podemos perder nossa noção de ser no mundo prático – uma das facetas de nossa vida. E perder a oportunidade de aprender com as dificuldades.
Os efeitos dos tratamentos simultâneos de radioterapia e quimioterapia apareceram mais nos últimos dez dias, a contar da semana passada. Tive uma forte dor de estômago acompanhada de enjôo, que me levou à emergência de um hospital para ser medicado com soro. A partir daí, perdi a dieta que seguia para manter o peso.
No fim da semana, um torcicolo e um relaxante muscular provocaram a troca do sono da noite para o dia. Passei a segunda-feira zumbiando pelo efeito da insônia.
O resultado foi a baixa de peso para menos de 60 quilos. Meu paladar está alterado e as refeições têm gosto de tratamento e pouco lembram os prazeres do gosto e do olfato tão valorizados na nossa cultura gastronômica, onde se come com o nariz, a boca e os olhos.
Mas a parte ruim é só uma faceta e tende a acabar a medida que a levamos em conta e a enfrentamos com o aprendizado que vem dela. Acabaram as sessões de radioterapia e meu estômago deve retornar aos poucos ao normal, ou quase isso. Poderei comer mais alimentos que estavam restringidos por causa do tratamento.
Há formas de combater os outros efeitos colaterais (poucos perto de todos os que podem ocorrer). Vou fazer avaliação no final do mês com exames e minha expectativa é muito otimista.
A parte boa voltará a imperar. E esta também tem sua importância, aliás, muito maior do que a outra, para que estabeleçamos os rumos de nossas vidas.
Um conselho do Caetano: respeito muito minhas lágrimas, mas muito mais os meus sorrisos.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Cena praiana

O mar estava calmo em Itapema, quase sem ondas. Apenas uma marolinha fraca se formava próximo à areia. O sol das 10 e pouco da manhã se espraiava pelo mar, formando um tapete prateado sobre a água. Na beira do mar um peixe se debatia, brilhando nos reflexos do sol, na luta contra uma gaivota e uma garça que o bicavam em busca de alimento.

Segui de bicicleta em direção ao mar. A gaivota voou logo. A garça parou por um momento seus ataques, prestando atenção na minha aproximação. Parei.
O peixe começou a saltitar em sentido contrário ao mar. Está morrendo, pensei, não sabe mais para onde vai. Mas sabia. O repuxo de um canal levou o peixe de volta ao mar rapidamente, liberando-o do ataque da garça, que perdeu de vez o petisco.

Então tudo voltou a ser como antes. O mar calmo, prateado pelo sol, e uma garça na praia. Tudo lindo na superfície, apesar da fome e da morte.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Coisas de gaúcho II – Chimarrão


Tai uma coisa difícil de ser compreendida para quem não é gaúcho, argentino ou uruguaio: o tal chimarrão. As pessoas acham difícil entender como alguém pode tomar um chá desses, com a erva do lado e água quente, com tanto gosto e ainda falar em tradição, amizade e história. Acontece que chimarrão é muito mais do que um chá da manhã ou da tarde.

Vi um filme, argentino se não me engano, em que a última cena era uma senhora, com rugas no rosto e a expressão de muita vivência, tomando chimarrão, só e calmamente. Quase fui às lágrimas com a cena – coisa que só poderia acontecer com quem traz o chimarrão como hábito desde a infância. Naquela cena estavam as lembranças da senhora sendo refletidas com a companhia do chimarrão. Imagine quantos pensamentos já não foram acompanhados por esse ritual na vida daquela senhora e de todos os que têm no chimarrão uma companhia, um chá que desperta a mente ou um pretexto para uma reunião de pessoas.

Um tio meu tem uma roda de chimarrão diária em casa, onde comparecem amigos para uma espécie de happy hour e atualização dos acontecimentos dos dias. Seja como pretexto para reunião, seja como uma prece matinal, seja como um resumo do dia ao final da tarde, o chimarrão é companhia de vida, de reflexão e de tradição.

“E dá barato, sim”, como diz Nei Lisboa. Um chimarrão pela manhã desperta a mente e ainda é um ótimo regulador intestinal. No final do dia, acompanha aquele suspiro da terra antes da entrada na noite, melhor percebido no campo aberto. Tá servido?

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Como andam as coisas...

Tenho encontrado algumas pessoas que se dizem surpresa com o que está acontecendo comigo - isso das impurezas do corpo que me fizeram priorizar o cuidado com a saúde. Podem ter certeza de que para mim também foi uma surpresa. De uma hora para outra, em poucos dias, saí do trabalho, da academia e de uma série de outras atividades intelectuais e práticas para uma condição de paciente (de câncer) - cinco quilos mais magro e com um corte no abdomem. Paciente em todos os sentidos, o de paciência e o de convalescente. Segue um apanhado geral de como me senti e me sinto para os leitores e amigos.

Quando se recebe um diagnóstico de impurezas no corpo como o meu a primeira coisa que vem à cabeça é a idéia de morte iminente. A primeira coisa que fiz foi escrever uma carta para meu filho e minha esposa. Com o início do tratamento e o apoio de muita gente, essa perspectiva foi mudando. As impurezas são tratáveis e comecei a me sentir melhor depois que os incômodos da cirurgia foram desaparecendo. Hoje, na minha cabeça, minha expectativa de vida é de muitos anos.

No mais, faço hoje a quinta de 18 aplicações de quimioterapia e a 16a de 30 de radioterapia. Os únicos efeitos colaterais são fadiga e alguma cólica. Tenho dado uma caminhada diária, de leve. Minhas resistências baixaram um pouco e estou levando uma dieta orientada para manter o corpo bem nutrido. O espírito também tem sido alvo de exercícios. Mentalizo sempre otimismo, esperança e cura. O grupo de reza ajuda muito, Já tivemos 53 encontros diários. O pessoal é incansável.

Estou lendo para o doutorado, mas ainda não iniciei a escrita de dois artigos que tenho em mente. Saio, passeio, cozinho e tento dar atenção à família sempre que possível. Penso que não sou tanto um problema, mas devo ser uma soluçào.

Estou bem e consigo falar sobre o que me ocorre sem problemas. Meus planos são voltar à academia em agosto para recuperar um pouco da musculatura. Passeios de bicicleta também estão nos planos - é só o tempo melhorar.

A vida é bela!

Coisas de gaúcho - Costela assada

Não é que o gaúcho tenha inventado o churrasco ou esse modo de preparar a costela, a carne mais saborosa para um churrasco. Antes que venham com piadinhas, é bom esclarecer que não se trata de requerer a patente ou a única forma autêntica de preparo do prato saboreado em todo o Brasil e em alguns dos principais países do mundo. Mas não dá para negar que, no RS, mormente na região da campanha, a costela assada faz parte da tradição e da vida dos gaúchos desde a mais tenra idade.

Modo de preparo (fora do Rio Grande do Sul)
Como nem todos os estados brasileiros têm uma carne macia, da qualidade da encontrada em Livramento ou em Rivera (Uruguai), do outro lado da rua, recomenda-se preparar a costela assada no forno usando um saco de assar. Isso vai garantir maciez à carne no final, já que cozinha no próprio suco antes de assar.

Pegue a costela e corte do tamanho que caiba no saco. Salgue com sal grosso, sem medo. O excesso poderá ser retirado depois com uma raspagem. Enrole no saco de assar e feche bem – alguns têm lacres de plástico para isso. Deixe um espaço vazio dentro porque a costela cresce a medida que assa. Faça dois ou três furinhos em cima do saco para que saia o excesso de vapor. Ponha numa assadeira ou prato refratário com o osso para baixo. O forno deve ser pré-aquecido a 250 graus.

Deixe por uma hora nessa mesma temperatura. Depois, retire o saco e dê uma tostada por uns 10 a 15 minutos – o forno elétrico com dourador é ideal para isso.O ponto da costela é quando a carne cortada verte sumo, sem estar mal passada (avermelhada por dentro). Seca demais, perde muito do seu sabor. Recomenda-se servir com arroz, salada verde (rúcula, agrião), salada de batatas com maionese e legumes ralados (cenoura e beterraba). Cebola assada inteira junto com a costela também é um bom acompanhamento.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Oração para começar os dias

Esta oração é o início da sessentena que organizamos por aqui, orando para que minha saúde seja restabelecida. Achei bom e divido com os leitores do blog.

Senhor, no silêncio deste dia que amanhece
Venho pedir-te a paz, a sabedoria, a força.
Quero ver hoje o mundo com os olhos cheios
de amor, ser paciente, compreensivo,
manso e prudente.
Ver além das aparências Teus filhos como
Tu mesmo os vê e, assim, não ver senão o bem em cada um.
Cerra meus ouvidos a toda calúnia.
Guarda minha língua de toda maldade.
Que só de benção se encha meu espírito.
Que todos os que a mim se achegarem
Sintam a Tua presença.
Reveste-me de tua beleza, Senhor,
E que no decurso deste dia eu
Te revele a todos.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A geração do meio do caminho


É a minha. Mais precisamente a geração que foi adolescente no final dos 70, quando o movimento hippie já definhava para uma postura mais estética do que política e as drogas acabavam com qualquer possibilidade de ação mais efetiva de contracultura.
Uma geração que viveu no interior do RS, distante 500 km. da capital “longe das capitais”, Porto Alegre. Meninos e meninas que não tiveram grandes projetos para o futuro, mas foram tateando o mundo e a vida na base da experimentação, do erro e do acerto.

Na verdade, não havia tantas alternativas a isso. O mundo se transformou muito nos 70 e nos 80, antes de tomar um novo rumo a partir dos 90. Acabou a Guerra Fria, o muro de Berlim caiu, a tecnologia trouxe novas formas de sociabilidade e de expressão, os indivíduos se viram transformados em sujeitos. Esta última situação pegou aquela geração em cheio; foi a pedra no meio do caminho.

Em torno da surpreendente pedra, aquel@s menin@s praticaram rituais evocando o passado, construindo o presente e negligenciando o futuro.
Hoje, continuamos a caminhar entre inúmeras escolhas, mas, como antes, não acreditamos em promessas ou destino. Carregamos pedaços da pedra como amuletos e temos fé.
Viajamos pela vida com a consciência de que ela é a viagem e não um ponto de chegada.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Literatura e vida

O capítulo encerrado no post anterior saiu de uma vez só, em mais ou menos 30 minutos de escrita. Ficou mais fácil porque é uma mistura de memória e de ficção. Isso é bem típico de escritores inexperientes, acredito, se bem que os romances de formação possam ter muito de biografia do autor. Veja-se, por exemplo, Encontro Marcado, de Fernando Sabino.

Vou continuar a escrever os próximos capítulos, mas não sei como será o rendimento, nem me preocupa isso. Tenho um hábito de escrita: as idéias vêm à cabeça em vários momentos do dia e vão se juntando, se amontoando, se batendo umas nas outras, durante vários dias. Quando sinto que o caldeirão já está transbordando, organizo no papel ou na tela do computador. Isso serve para poesia (quando escrevia), para artigos científicos e, agora, para a ficção.

Agradeço os comparativos dos comentários. Com o Érico Veríssimo tenho a origem gaúcha e as paisagens da campanha em comum. Com o Gabo Marquez, o misticismo, que deve aparecer em várias passagens do livro. Mas como nenhum deles pretendo ter o talento de escritor.
As descrições e os detalhamentos são parte de uma tradição literária. Dêem uma olhada em Em Busca do Tempo Perdido (livro 1 - No caminho de Swan), de Proust, e lá estará uma igreja descrita em detalhes que somam quase uma dezena de páginas.

A linguagem do meu texto ainda não está definida e deve ser diferente em cada fase da vida do menino Guilherme, contribuindo para definir um clima geral do que foi vivido e sentido por ele em momentos específicos.

Por fim, o que escrevi não corresponde necessariamente ao estado de espírito em que me encontro. Um primeiro capítulo tem que ser chamativo e dar vontade de continuar a ler o romance. Essa foi minha intenção com esse rascunho. Se depender somente do meu estado de espírito, já posso adiantar que essa história toda terá um final feliz, ao contrário do seu início.

Por fim, agradeço a todos que têm enviado mensagens e depoimentos de saúde, paz, sabedoria, entusiasmo, amor e felicidade. Todas estão sendo muito bem recebidas e contribuindo imensamente para o meu bem-estar geral. Melhor do que ter leitores é ter amigos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Capítulo 1 - final

Estava no hospital recuperando-se de uma cirurgia. No dia anterior, recebera sangue em vez dos medicamentos para dor e enjôos, porque estava anêmico. No meio da noite, sentiu que seu corpo era jogado com força de algum lugar mais alto para o leito. Guilherme acordou com o choque no colchão e imediatamente começou a sentir as dores do trauma sofrido dois dias antes, aquela cirurgia que modificou-lhe o estômago e o intestino, deixando uma cicatriz de doze centímetros no ventre.
A mãe dele não estava lá e, por isso, não perguntou nada. Se tivesse perguntado o que tinha havido, Guilherme teria apontado o dedo para o céu e respondido a ela.
- Mãe, ele me abandonou.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Capítulo 1 - parte 8

Naquela época Guilherme freqüentava as missas com a avó aos domingos. Mesmo sem uma noção precisa do significado daqueles rituais, estava certamente mais ligado nas coisas de Deus e do espírito do que jamais esteve nas fases posteriores da vida dele. Foi o que percebeu, cinqüenta anos depois, no momento em que soube que estava com uma doença grave. Foi nessa época que teve outra experiência semelhante a da queda do muro. Mas que foi, ao contrário daquela, a consciência de que vivera distante de Deus por muito tempo. Que cometera pecados e até mesmo um crime. Que precisava mudar para continuar a viver em paz.